Demitido do Flamengo na última quarta-feira,
Felipe Ximenes concedeu entrevista nos estúdios
da TV Globo, na tarde desta quinta, para falar de sua
saída do Rubro-Negro, onde exercia o cargo de diretor
executivo desde o fim de maio. O dirigente também
respondeu perguntas dos internautas. Em sua passagem pelo
clube, contratou Canteros, Eduardo da Silva, Elton e Anderson
Pico, que havia pedido a Vanderlei Luxemburgo uma chance
para voltar ao futebol.
O dirigente vinha tratando do planejamento
de 2015 com o comitê do futebol, mas tinha relacionamento
distante com o técnico. A situação
de Ximenes vinha sendo analisada pela diretoria, mas a
saída de Rodrigo Caetano do Vasco acelerou a mudança
– Caetano, procurado pelo clube, era o nome favorito
desde a saída de Paulo Pelaipe.
Em comunicado enviado à imprensa,
Ximenes disse ter "certeza de ter feito o melhor"
pela equipe na temporada e lamentou não ter podido
seguir no cargo. Agora, explicou em detalhes a sua saída,
falando da convivência com Luxemburgo, de negociações
no Flamengo, do relacionamento entre executivos no futebol,
incluindo Rodrigo Caetano, e o que vem pela frente na
carreira, entre vários outros assuntos. E terminou
a entrevista num tom de agradecimento que norteou todo
o papo.
– Gostaria de lembrar que essa entrevista
já estava marcada, era uma questão importante
para mim cumprir o que eu tinha combinado. Não
gostaria de usar este espaço de outra forma –
disse Ximenes, ao se despedir dos torcedores que mandaram
perguntas.
Confira os principais momentos da entrevista.
Sobre a demissão
O time estava na 19ª colocação
quando cheguei. Penso que os fatores que levaram à
demissão são diversos e difíceis
de serem entendidos. Em um momento como esse, duas coisas
são importantes: a maneira como se sai de um clube
é importante na sequência da carreira, e
saio com a certeza de que fiz meu máximo; e a decisão
partiu da diretoria. Preciso respeitar e preservar o Flamengo.
Relacionamento frio com Luxemburgo
Todos nós clamamos pelo profissionalismo,
e quando chegam profissionais no clube as pessoas ficam
preocupadas com coisas pessoais. Ninguém tem obrigação
de ter relacionamento pessoal com quem tem que ser profissional.
Claro que às vezes ajuda, mas também pode
atrapalhar. Não tenho o menor arrependimento de
tê-lo contratado. Não houve nenhum tipo de
atrito com ele.
Tem rancor do Flamengo?
Pelo contrário. Imagine a honra de
uma pessoa que saiu de Três Corações
(em Minas Gerais) com o sonho de ser jogador e aos 47
anos estar à frente da administração
executiva de uma nação de 40 milhões...
Não posso deixar que relação pessoal
manche o orgulho de fazer parte da nação
rubro-negra. É um sentimento puro e verdadeiro,
um motivo de orgulho.
O Flamengo foi o mais complexo de trabalhar?
De forma alguma. O que acontece com o Fla,
em particular, é que o alcance de tudo que acontece
é muito maior. Mas a complexidade do trabalho não
muda. Às vezes é até mais tranquilo
porque você pega a página do Fla no GloboEsporte.com,
se tem uma notícia ruim, daqui a quatro horas ela
já sumiu. Em um clube de menor porte, dois dias
depois você volta e ela continua lá.
Problemas de relacionamento com jogadores?
Quando você reduz a relação
com qualquer pessoa por um episódio isolado, está
correndo o risco de fazer julgamento errado. O episódio
contra Cruzeiro é normal dentro de vestiário
de futebol (a forte cobrança após a derrota
por 3 a 0, em Uberlândia). O que não é
natural é o vazamento de uma conversa que deveria
ser privada. Isso não é natural. Mas em
termos de relação, não senti que
tenha pesado no relacionamento.
Afastamentos de André Santos e Elano
A determinação da continuidade,
pelo ponto de vista técnico, cabe ao treinador.
Assim foi feito com Ney Franco, que optou pela continuidade
desses atletas. Após a Copa do Mundo, a dispensa
do André Santos foi uma decisão institucional
do clube, não técnica. A do Elano partiu
dele mesmo. Ele me procurou dizendo que tinha interesse
em rescindir, então fizemos a rescisão amigável.
Caso Hernane
Não quero trazer uma responsabilidade
muito grande para mim nos fatores que ocasionaram e terminaram
como sucesso, mas também não gostaria de
ter em cima de mim as coisas que não acabaram sendo
positivas. Toda e qualquer decisão foi colegiada.
O que não quer dizer que não houve divergência
e que não me posicionei.
Dificuldades nas negociações
O Fla não quase contratou o Fred,
nós ficamos distantes. Tentamos trazer o Montes
(México), mas por motivos diferentes (a negociação)
não avançou. Passou por readequação
financeira. Receita muito grande, mas um compromisso de
débitos anteriores muito grande para alcançar
o equilíbrio. A principal dificuldade é
financeira, (pois o clube) não tem caixa.
Estava negociando com Lucas Pratto?
Negociações precisam ser tratadas
de forma interna, e e não posso divulgar isso por
questões éticas. Para o clube não
interessa em nada divulgar. Quando acontece, aumenta o
custo dessa informação.
Luxa queria o Souza, e você, o Elton?
Isso não aconteceu. Chegou a ter
intenção de trazer os dois. A contratação
do Elton foi num período depois da janela, e o
Souza já tinha acertado com o Criciúma.
Negociações suas serão
mantidas? E o Luxa tinha conhecimento das tentativas?
Não tenho controle nenhum do que
vai acontecer no futuro, mas tenho forte percepção
pela continuidade, porque não consigo imaginar
a montagem de uma equipe sem a opinião do treinador.
Certamente o Vanderlei tinha conhecimento das contratações.
Necessidades do elenco para 2015
O time termina o ano com uma cara. Tem um
modelo de jogar bastante definido, e o Luxemburgo é
bastante capaz nesse quesito. Mas o Fla precisa e vai
contratar. Essa troca de atletas no fim de ano é
natural. Tenho certeza de que tem uma perspectiva de ano
bem melhor, em que pese que o clube foi campeão
Copa do Brasil em 2013 e do Carioca em 2014.
Quantos jogadores na base?
Essa foi uma boa contribuição
que estou deixando para o clube, através de um
software de gestão que está sendo implantado.
Posso falar hoje, com bastante segurança, que quando
saí havia 172 atletas, do profissional ao sub-13.
Diferença entre trabalho de base
de Fla e Flu
O que dificulta muito o trabalho são
as trocas constantes no comando. Tratar a base como parte
do departamento de futebol, não algo isolado. O
Flamengo precisa melhorar muito sua estrutura de trabalho,
que é muito carente. O Fluminense está nesse
ponto porque tem ao menos uns quatro anos de trabalho
em Xerém.
Voltaria ao Fluminense?
Trabalhei três vezes no clube, e a
última foi bem curta. Não tenho problema
nenhum em voltar, mas não queria ficar aproveitando
esse espaço para cavar. Isso acho bastante antiético,
e não é uma prática que utilizo.
Conselho para o próximo diretor executivo
do Flamengo
Que faça as coisas da melhor maneira
possível, que siga o que acredita, não se
paute nunca pelo que falam ou pensam a respeito dele.
Não temos controle sobre o que falam de nós,
mas temos sobre o que falam sobre as pessoas. O que eu
quero para o próximo diretor executivo não
é dar conselho, mas desejar sorte.
Análise do futebol carioca
Contratação e demissão
fazem parte do mercado, não só aqui no Rio.
Vemos que resultados positivos se dão onde as equipes
conseguem diminuir essa volatilidade. Devemos discutir
o futebol carioca de forma mais profunda. Preocupa-me
um pouco o tempo que passei no Rio, a maneira superficial
como foi tratada essa função de diretor
executivo.
Função do diretor de futebol
Foi a segunda vez que passei por entrevista
para ser contratado por um clube. A primeira foi no Coritiba.
Funções: estruturação como
um todo na parte do futebol, integração
com a base, montagem do organograma do clube, descrição
do trabalho individual de cada atleta, análise
do orçamento, adequação dos funcionários
e cargos, estruturação setor de inteligência
e mercado et cetera.
Cargo de diretor de futebol sem função,
com um CEO?
O CEO do Flamengo é do clube todo,
não somente do futebol. O Fla tem hoje basicamente
quatro direções: executiva de futebol, de
esportes olímpicos, administrativa e financeira
e do FlaGávea. Fred Luz tinha participação
direta no futebol, mas mantinha participação
em outras áreas.
Relação entre diretores executivos
no futebol
O Rodrigo Caetano é um profissional
correto, extremamente competente. Se o Fla vir a contratá-lo,
além de estar bem servido, tenho certeza de que
ele dará continuidade a muitas das coisas que comecei.
Não precisamos estar desempregados para buscarmos
outro emprego, para sermos sondados. Vejo isso de uma
forma muito natural, não acho antiético.
Jogadores não conhecem as funções
do diretor de futebol?
Não só da função
da direção executiva, mas de muitas coisas
que permeiam o futebol. É importante que eles tenham
um conhecimento maior de tudo que está rodeando
o mundo do futebol. Apesar de que acredito que, a cada
dia que passa, temos mais jogadores com esse conhecimento.
Comparação com a Europa
O Brasil tem dimensão continental,
e o parâmetro de avaliação é
um continente. Precisa tomar cuidado na hora de avaliar
isso. Não pode se furtar de copiar os exemplos,
mas tomar cuidado com as críticas ao futebol brasileiro
sem tomar conhecimento. A importância da imprensa
no seu próprio papel da mudança e profissionalização
é muito grande. É preciso criar fóruns
para discutir.
Lições de 2014
Penso que ter coerência na sua vida
profissional é um desafio como princípio
básico. Tenho tranquilidade na minha carreira,
tenho muito orgulho de tudo que fiz, não separo
pessoal do profissional. Não vou mudar, não
tenho nenhuma preocupação do que aconteceu
comigo no Flamengo e Fluminense. Eu não seria diferente,
com outro tipo de postura. Minha vida profissional vai
seguir como sempre.
Futuro do diretor executivo no Brasil
Tenho muito orgulho de ter trabalhado quatro
anos e meio no Coritiba. Tirando o Maluf (Atlético-MG),
não tenho conhecimento de um diretor executivo
que tenha ficado tanto tempo como fiquei. Mas essa função
precisa ser repensada um pouco. Se continuarem expondo
esse profissional da maneira como está sendo, dificilmente
ele terá vida longa nos clubes.