Demitido do cargo de técnico do
sub-20 rubro-negro na última segunda-feira juntamente
com seu auxiliar Celso Martins, Marcelo Buarque revelou-se
muito decepcionado com o tratamento dado à base
flamenguista atualmente. Para ele, a fritura de atletas
é constante num Flamengo que, segundo o profissional,
hoje prioriza resultados em detrimento da formação
de novos talentos. A impaciência refém das
vitórias que vê nos atuais comandantes do
clube o faz citar o demorado processo feito na construção
de Zico. E ele destaca: o Galinho de Quintino não
estourou com 18 anos.
- O Zico, maior ídolo e maior atleta
do Flamengo, foi se firmar com 22, 23 anos, não
sei a idade ao certo (na temporada de 1974, aos 21, o
Galinho se consolidou). O Zico, dentro desse processo,
talvez fosse mandado embora. Não fico chateado
em sair ou não do clube, mas na minha visão
o processo está equivocado. Para a minha felicidade,
vi uma entrevista do presidente do São Paulo em
que ele disse que os títulos da base não
valem nada para ele. A exigência dele é que
forneçam três jogadores para o profissional
por ano, não necessariamente craques, mas jogadores
com condições de formar o elenco. Entrei
no meio do Carioca, fomos para as duas semifinais de turno,
mas não nos classificamos. Na Taça BH e
na Copa do Brasil, saímos nas oitavas. No OPG,
podíamos bater campeões, mas acabaram nos
demitindo. E depois de uma vitória que mudou nossa
situação (contra o São João
da Barra, no sábado passado) - lamentou.
Buarque destaca que, antes de retornar ao
Flamengo em fevereiro deste ano, já somava duas
passagens pelo clube. Uma entre 1975 e 1976, quando, ainda
um pré-adolescente, chegou para tentar se profissionalizar.
Voltou à Gávea, em 1987, como preparador
físico do infantil, e lá ficou até
1989. Neste período, no qual também atuou
como treinador e chegou à Seleção
(na base), ajudou a moldar atletas como Julio Cesar, Juan,
Marcelinho Carioca, Djalminha, Adriano, Sávio,
Fábio Baiano, Junior Baiano e Paulo Nunes. Garante
que em ambos os processos o resultado sempre foi colocado
em plano minoritário, apesar da conquista de muitos
estaduais e de uma Copa São Paulo de Futebol Júnior.
- Entrei no Flamengo com 12 anos para jogar.
Na minha época, existia um processo de formação.
Nunca vi essa história de "se perder essa
competição, vai ficar ruim para você".
Pelo que me falaram, saí do Flamengo por resultados.
Será que estou na contramão da história?
Acho que não, continuo com a visão que base
é para formar. E o Celso (Martins, auxiliar dele)?
Se era resultado, o rapaz era meu assistente. Conquistou
várias coisas na base. Por que mandaram o rapaz
embora se ele não era o principal? A desculpa não
é bem pautada em coisas, bem explicada... Me tiraram
por resultados. E o Celso? O treinador era eu... - insistiu,
defendendo o colega de comissão.
Outro erro que aponta no Flamengo é
a aposta em meninos fortes fisicamente, opção,
segundo ele, também motivada pela obsessão
por vitórias.
- Quando só se pensa em vencer, não
se dá equilíbrio e tempo ao jogador. No
infantil e no juvenil, vão sempre privilegiar o
mais forte. Às vezes o menorzinho, o mais fraquinho,
vai crescer e ficar melhor do que o grandão que
hoje prevalece. Se o jogador for mal num jogo, eu não
vou tirá-lo no seguinte. Vou conversar, falar "meu
filho, eu confio em você", e ele vai continuar
trabalhando. Essa pressa está atrapalhando.
Marcelo, embora tenha a formação
de talentos como seu foco principal, explica que a saída
da Gávea no primeiro semestre, situação
forçada pela cessão do campo à seleção
holandesa, fez o time perder identidade no início
da temporada. Frisa isso como fator complicador, mas garante
que em nenhum momento se opôs ao "empréstimo"
a Robben e companhia. No período, o Fla mandou
jogos no Artsul, na Baixada Fluminense.
Para resumir sua explanação
a respeito do que entende como um trabalho muito apressado
na formação, citou Mattheus, maior alvo
da torcida após a eliminação contra
o Atlético-MG.
- Cheguei no Flamengo em fevereiro. No início
do ano o Mattheus e o Recife estavam no profissional.
Na minha concepção, se não são
relacionados para um jogo, têm que descer e jogar
nos juniores. Os dois têm idade para isso. O treino
é ótimo, mas é no jogo onde se evolui
mais. O Mattheus jogou seis ou sete jogos (no profissional,
foram oito). Se tivesse voltado para fazer alguns jogos
na base, já teria uns 40 jogos. Aí ele entra
contra o Atlético-MG, joga 20 minutos e sai execrado.
Como está a cabeça desse menino hoje? A
base é um processo. Pega o jogador ainda menininho,
com 12, 13 anos e trabalha em cima dele, como fiz com
Juan, Julio Cesar, Nélio, Paulo Nunes, Fabinho.
É processo, leva tempo.
Celso critica falta de laterais
Celso Martins, defendido por Marcelo Buarque,
é 21 anos mais novo do que o colega com quem formava
a comissão técnica do time sub-20. Após
títulos internacionais à frente do time
infantil e de um Estadual e de um vice da Copa do Brasil
no juvenil, esperava por ano de altos voos na Gávea.
Preparou-se para isso, tirando dinheiro do próprio
bolso para se especializar e evoluir na função.
Com discurso semelhante ao de Buarque, é totalmente
contrário à busca incessante por título
nas categorias inferiores, porém mostrou-se ainda
mais surpreso por ter sido demitido também sob
a alegação de que seus resultados não
eram satisfatórios.
- Não sei o que foi conversado com
o Marcelo, mas queriam mandá-lo embora por resultados.
Continua na base essa perturbação por resultados.
Eu fui surpreendido porque alegaram para mim também
a questão dos resultados dos juniores. Eu fazia
a função de auxiliar e, depois de cinco
anos como treinador do infantil e juvenil, imaginava que
viveria uma situação de juniores para pensar
numa projeção na minha carreira. Dentro
desse período de cinco anos, fui o treinador que
mais ganhou na base. Disso eu nem me vanglorio, pois,
para mim, o mais importante é o desenvolvimento
dos atletas do que títulos. Mas se me mandaram
embora por resultados, eu realmente não entendo.
Fui pego de surpresa, pois durante todo o período
em que estive no clube me preparei sem nenhum investimento
do Flamengo. Fiz cursos de especialização
para me tornar treinador, fui estudar em Portugal para
depois de cinco anos o Flamengo me mandar embora de repente.
Celso colocou o dedo em ferida aberta há
algum tempo no Flamengo: as laterais. Léo Moura,
já com 36 anos, teve de se desdobrar para jogar
a temporada quase que integralmente como titular, principalmente
devido aos problemas físicos de seu reserva, Léo.
Quando ambos estavam fora de combate, só improvisações
restavam, pois não havia um jogador sequer para
a posição no time sub-20. Na categoria abaixo,
outra situação grave: não há
atletas para a esquerda no setor.
- Grande clube tem que estar sempre ganhando
e, às vezes, é mais importante para eles
os resultados do que formar um lateral-direito, o que
o Flamengo não tem na categoria de juniores para
servir aos profissionais. O juvenil jogou o ano todo sem
um lateral-esquerdo, com um destro improvisado na posição,
o que é um absurdo.