Depois da eliminação na semifinal
da Copa do Brasil, o Flamengo tem outra decisão
fora dos gramados na reta final de 2014. O tabuleiro de
xadrez rubro-negro começou a movimentar suas peças.
Nos próximos dois meses, a missão é
planejar o último ano da gestão Eduardo
Bandeira de Mello. As decisões serão tomadas
no gabinete da Gávea, em um escritório em
São Paulo, em jantares programados no Rio de Janeiro
e nos contêineres do Ninho do Urubu. A primeira
e mais importante é a permanência ou não
de Vanderlei Luxemburgo em 2015. E, consequentemente,
outros rumos do departamento de futebol.
Existe um consenso no clube: Vanderlei foi
o principal responsável por livrar o time do rebaixamento
e levá-lo à semifinal da Copa do Brasil.
A queda diante do Atlético-MG - quando o treinador
foi questionado por conta de substituições
- não será o fator decisivo. Outros pontos
pesam mais para a definição do futuro: a
não assinatura do contrato e descontentamento por
parte de Luiz Eduardo Baptista, o Bap, que tem grande
peso nas decisões tomadas pelo conselho gestor
do clube. Por outro lado, Luxa também tem questões
para serem colocadas sobre a mesa, como a formatação
do departamento de futebol, entre outras pautas.
Bap ficou incomodado por Vanderlei opinar
sobre o assunto ingressos sempre que questionado pela
imprensa. Em certo momento, o diretor de marketing reclamou
para pessoas próximas:
- Eu não me meto na escalação
do time, ele não se mete em outras questões
do clube.
Outro ponto: a diretoria é adepta
da prática de descentralização de
poder e exige voz e participação no futebol.
Apesar da força dentro do Rubro-Negro, Bap submete
questões do dia a dia do futebol a um conselho
composto por outros dirigentes. Um dos meios de debate
é um grupo criado no aplicativo WhatsApp - com
Bap, Fred Luz, Eduardo Bandeira, Felipe Ximenes, entre
outros -, e sem Luxa.
O treinador, por sua vez, não admite
interferências no seu trabalho. Esse foi um dos
fatores debatidos pela diretoria para derrubar Paulo Pelaipe
junto com Jayme de Almeida no primeiro semestre.
- Qual a graça de ser vice do Flamengo?
Cuidar só da piscina que não é...
- disse um integrante do Conselho rubro-negro.
Com seu escritório em São
Paulo, Bap tem mantido discrição. Sempre
solícito em contatos feitos principalmente por
email, o dirigente não respondeu às tentativas
do GloboEsporte.com para que se posicionasse sobre questões
do clube. A última aconteceu na quinta-feira da
semana passada, dia seguinte à derrota por 4 a
1 para o Atlético-MG.
Luxa x Ximenes
Outra questão que está em
jogo é a fria relação entre Luxa
e o diretor executivo de futebol, Felipe Ximenes. Essencial
para o funcionamento da engrenagem, os dois não
falam a mesma língua. Isso faz aumentar o ponto
de interrogação que paira sobre o futuro
do futebol do Flamengo para a próxima temporada.
O panorama de momento aponta como pouco provável
que a dupla continue trabalhando junto.
Ximenes, porém, sempre exalta Vanderlei
publicamente.
- Não nos conhecíamos, não
tínhamos relação. Já dei aula
no Instituto Vanderlei Luxemburgo, já fui à
casa dele, mas não nos conhecíamos. Ele
tem 63 anos, eu tenho 47. Ele é uma marca do futebol
brasileiro, estou aprendendo bastante. O que posso dizer
é que minha relação hoje é
melhor do que a de ontem, e pior do que a de amanhã.
Estamos construindo. Ele faz a parte dele, eu faço
a minha, e fazemos um grande todo. Isso pode ser interpretado
de uma forma ruim ou boa. Mas eu não sou um cara
midiático. Após um treinamento, não
vou para o campo ficar perto. Acabam falando que estou
distante, mas não consigo ser o que eu não
sou. Não estou na idade e não vou puxar
saco para dar impressão. Agora, em nenhum momento
me senti invadido pelo Vanderlei. Tudo que ele defende
são coisas que eu, por muitas vezes, briguei: concentração
mais longa, viagem, descanso. Ele me tira um peso - afirmou
Ximenes, ao ser questionado pelo GloboEsporte.com recentemente
sobre a fria relação.
Luxa tem respaldo de grande parte dos jogadores.
Já Ximenes é alvo de insatisfações
veladas do elenco, funcionários e departamento
de futebol. O episódio da bronca logo na chegada
- depois da derrota por 3 a 0 para o Cruzeiro, em Uberlândia,
no dia 1º de junho - deixou atletas irritados e precocemente
ressabiados com o novo diretor. Os jogadores lembram do
fato até hoje.
Prova de que o episódio deixou feridas
abertas foi quando um fato corriqueiro, que poderia ser
apenas uma simples frase, acabou sendo mal interpretado.
Em Chapecó, após a partida
contra a Chapecoense, jogadores ocupavam um elevador cheio
que levava-os para o jantar. Ao abrir a porta, Ximenes
apareceu e disse:
- Não vou entrar aí, não.
Pode cair.
Na ocasião, o time ocupava a 20ª
colocação do Brasileiro. O sorriso e a frase
de Ximenes soaram para os atletas como ironia de duplo
sentido.
- É até difícil conversar
sobre uma coisa dessas (problemas na relação
interna). Você está fazendo um processo de
estruturação, um trabalho de médio
a longo prazo, e com quatro meses... Não sinto
absolutamente nada. Isso fica parecendo fofoca. Não
vou dizer que não exista, mas a direção
executiva do futebol tem abaixo dela aproximadamente 82
funcionários, mais os atletas. Estou em um processo
de liderança de quase 300 pessoas, é algo
muito profundo. Como lidero 380 pessoas, posso ter lá
20 caras insatisfeitos. Claro. Deve ter mesmo. Muitos
nem sabem o que o diretor executivo faz, entendem como
um gerente de futebol. Falaram que viajo em voo separado
do grupo. Sou diretor do clube inteiro! Aproveito para
fazer reunião com a base, com a diretoria, para
planejar. Estou trabalhando - afirmou Felipe Ximenes.
O diretor executivo tem apoio do CEO Fred
Luz e do presidente Eduardo Bandeira de Mello. Luz, por
sinal, é uma das pessoas mais próximas do
diretor executivo e está sempre ao seu lado nas
vezes em que visita o departamento de futebol. Os dois,
inclusive, são, ao lado do coach Fernando Gonçalves,
os que mais demonstram preocupação com o
planejamento de 2015.
Triunvirato em ação
E aí aparece mais uma jogada no xadrez
rubro-negro. Ximenes, Fernando e Fred Luz foram os responsáveis
por mapear o mercado antes mesmo da eliminação
da Copa do Brasil. Ao mesmo tempo em que precisavam se
antecipar para projetar 2015, o trio deixou Luxa à
parte de algumas movimentações. Ximenes
também realizou um mapeamento do mercado, com uma
lista de possíveis contratações,
através de informações do Centro
de Inteligência de Mercado (CIM) em parceria com
o coaching Fernando Gonçalves. O processo, entretanto,
não contou com a participação do
treinador.
A presença de Fernando Gonçalves
nos encontros para traçar o planejamento de 2015
chama a atenção, uma vez que o profissional,
ex-representante da Traffic, foi contratado para desempenhar
um papel voltado para área da psicologia, mas é
constantemente acionado por membros do conselho gestor
para dar consultoria sobre o mundo do futebol e contratações.
O próprio Fernando, em conversa com
a reportagem durante um almoço na Zona Sul do Rio,
confirmou que é solicitado para ajudar no futebol
e não se opõe a isso. E admite que a nomenclatura
“coaching” para definir o seu cargo - sugerida
pelo próprio Ximenes quando Fernando Gonçalves
chegou ao clube - foi um “erro de comunicação”.
Gonçalves, porém, preferiu não conceder
entrevista.
Uma das negociações conduzidas
pelo triunvirato Ximenes, Fernando e Fred Luz acabou mal,
ou melhor, não acabou: a venda de Hernane para
o Al Nassr. Até hoje o Flamengo não viu
a cor do dinheiro. O caso está na Fifa e deve se
arrastar por um longo tempo.
Contrato em questão e outras
peças
Vanderlei está sem contrato assinado
por conta de cláusulas vetadas pela diretoria,
que envolviam cotas de camisa e ingressos por jogo. O
treinador garantiu que não pedirá nada além
do que foi definido no acordo que terá duração
até o fim da próxima temporada. Mas quer
saber sobre questões técnicas e o que a
diretoria pensa sobre a formatação do futebol
para 2015.
- Está bem claro que a minha cabeça
está na formatação do Flamengo. O
corpo do meu contrato não muda, tudo o que foi
acordado ali vai ser cumprido. Meu pensamento é
estar no Flamengo. Existe uma coisa que é um compromisso
moral. Existe contrato estabelecido até o fim de
2015. Se acontecer alguma coisa, são coisas de
mercado do futebol. Existe essa coisa de colocar técnico
e jogador como mercenários. Não é
bem assim. Há multa no contrato. Se há multa
e o cara paga, ele está cumprindo o contrato. Isso
me assusta, como treinador. Por que o cara é mercenário?
Essa coisa de técnico ser mandado embora toda hora
também é bem complicada - disse Luxa, em
entrevista coletiva na última sexta-feira.
Apesar de o Flamengo negar as cláusulas
formalmente, Luxemburgo recebe a cota de 15 ingressos
e cinco camisas por jogo. Perguntado sobre as exigências,
o treinador riu e foi sucinto:
- Olha, se não tiver acordo dessas
duas cláusulas, vai continuar sem contrato. E eu
vou continuar trabalhando e ganhando as camisas (risos).
Para consumo externo, as declarações
de dirigentes apontam para a permanência. Mas o
fato é que, ao fim dos cinco jogos que restam para
o término do Brasileirão, a decisão
terá que sair das palavras para o papel.
Nas movimentações no tabuleiro
para 2015 também aparece a figura do vice-presidente
de futebol Alexandre Wrobel, um dos defensores da permanência
de Vanderlei e também de Ximenes. Ele diz acreditar
que os dois ficarão na próxima temporada,
mas tem ciência que a química entre técnico
e diretor executivo está longe da batida perfeita.
Wrobel, que tem voz mansa, estilo pacificador
e navega bem por diversas correntes políticas do
clube, foi vice de patrimônio na gestão Patricia
Amorim, e tinha contato - bem menos do que atualmente
- com Luxa em 2012. Mesmo com a mudança de diretoria,
ele permaneceu no cargo e foi transferido para o futebol
depois de Wallim Vasconcellos deixar o cargo. Recentemente,
Ximenes convidou o vice de futebol para uma viagem à
Argentina para contato com clubes e empresários,
visando a estreitar o relacionamento para negociações
futuras. A dupla também esteve em São Paulo
atrás de Luis Fabiano.
No decorrer da temporada, Wallim assumiu
a pasta que era de Wrobel ligada ao patrimônio do
clube. A manobra, na verdade, foi por conta do desgaste
que Wallim sofrera no tempo em que ficou no futebol. Mas
ainda hoje ele tem voz ativa e peso nas decisões
que refletem no Ninho do Urubu.
O presidente Eduardo Bandeira de Mello acompanha
e participa de tudo, mas não bate o pé e
nem toma decisões sozinho. Bandeira tem menos força
do que Bap, apesar dos cargos que ocupam.
O jogo está em aberto para 2015.
O ano eleitoral na próxima temporada potencializa
qualquer decisão que venha a ser tomada. Os debates
sobre o futuro geram burburinho nos bastidores. Entre
incertezas e decisões, um exímio conhecedor
do clube que já trabalhou no futebol rubro-negro
brinca com a possibilidade de Bap e Luxa se sentarem à
mesa juntos para definirem o futuro. Tanto o dirigente
como o treinador são conhecidos pela forte personalidade
e tom explosivo:
- Vai dar m....