Envolvidos em uma das semifinais da Copa
do Brasil, Atlético Mineiro e Flamengo protagonizam
há mais de 30 anos o que pode ser considerada a
mais ferrenha rivalidade interestadual do Brasil. Porém,
há um jogador que os une parcialmente: Ronaldinho
Gaúcho. O laço é parcial, pois os
rubro-negros têm mais lembranças negativas
do que positivas dele. Já os atleticanos (quase
sempre) são só sorrisos quando o nome do
dentuço vem à tona.
Após dez anos na Europa, onde reinou
como melhor do mundo por duas vezes com a camisa do Barcelona,
Ronaldinho desembarcou na Gávea em 2011 e foi recepcionado
em impressionante festa flamenguista que indicava o início
de um duradouro casamento. Atrasos de salário e
problemas de comportamento já na primeira temporada
como jogador rubro-negro logo arranharam a relação,
encerrada em apenas um ano e três meses.
Foi procurado pelo Atlético-MG, clube
que não levantava uma taça de expressão
desde 1971. Aceitou, e a chegada foi discretíssima.
O final, contudo, bem mais glorioso do que no Flamengo.
Em julho de 2014, deixou o Galo com as faixas de campeão
mineiro e da Libertadores no peito. Nem mesmo o vexame
no Mundial de Clubes do Marrocos, diante do Raja Casablanca,
provocou rusgas. R10 saiu como rei.
Flamengo
Num palco improvisado no estádio
da Gávea, em 12 de janeiro de 2011, Ronaldinho
teve apresentação digna de Europa na Gávea.
Não em termos estruturais, mas sim pela quantidade
de gente presente ao evento e devido ao entusiasmo provocado
pelo encontro. Mais de 20 mil rubro-negros se amontoaram
no gramado e o viram bradar: "Obrigado pelo carinho,
dizer que espero retribuir todo o carinho de vocês
dentro de campo. Obrigado, nação rubro-negra,
tamo junto (sic), tô fechado como vocês e
agora eu sou Mengão." Em 2 de fevereiro, estreou,
e os mais de 40 mil presentes à vitória
por 1 a 0 sobre o Nova Iguaçu o emocionaram com
um mosaico que exibia a frase: "Bem-vindo, R10."
Veio o Bonde do Mengão Sem Freio,
impulsionado pelas conquistas da Taça Guanabara
e do Carioca. Na vitória do turno, R10 fez o gol
do título e comandou a festa.
Quatro dias após levantar o troféu
do Carioca, as primeiras vaias. O Flamengo foi derrotado
pelo Ceará em casa, pelas quartas de final da Copa
do Brasil, e o astro foi alvo de protestos. Esse jogo
é um marco na relação de amor e ódio
entre torcida rubro-negra e R10. Até o último
compromisso como profissional do clube, no empate por
3 a 3 com o Inter, em 26 de maio de 2012, foi mais contestado
do que exaltado. Em apenas seis meses de Fla, seu comportamento
fez um conselheiro do clube criar o "Disque Dentuço",
telefone disponibilizado aos torcedores para denúncias
a respeito da vida noturna do craque.
Os grandes lampejos aconteceram no histórico
5 a 4 sobre o Santos, jogo que o Rubro-Negro perdia por
3 a 0, e na pré-Libertadores de 2012, fase vencida
pelo Flamengo com um gol de placa de R10 contra o Real
Potosí.
Além de ter perdido a confiança
da torcida, Ronaldinho viu sua relação ruir
com Vanderlei Luxemburgo do fim de 2011 até a saída
do treinador, em fevereiro do ano seguinte. Houve até
a tentativa de reaproximação com uma foto
constrangedora na qual ambos sorriam, mas não deu
certo. A presença de uma mulher na concentração
do time durante a pré-temporada de 2012, em Londrina,
e a possível ida de R10 ao Ninho do Urubu embriagado,
situação denunciada pelo Flamengo somente
após o atleta ter se desvinculado unilateralmente
via Justiça, foram os casos de indisciplina mais
marcantes pela curta passagem do jogador pela Gávea.
Atlético-MG
Se o namoro com o Flamengo não deu
certo, Ronaldinho parecia perfeito para o Atlético,
e a recíproca era verdadeira. Ambos precisavam
limpar suas respectivas reputações. O Galo
não conquistava nada de relevante desde o Brasileiro
de 1971, e R49 - número adotado no início
da passagem em homenagem ao ano de nascimento da mãe
- vinha de uma saída conturbadíssima do
Fla.
Chegou à mineira, sem alarde, e
foi apresentado no CT do clube, em 4 de junho de 2012,
sem a presença de torcedores. Estreou cinco dias
depois e com vitória: 1 a 0 sobre o Palmeiras.
Era dada a largada para uma das maiores idolatrias dos
atleticanos.
A empatia foi imediata, e já no segundo
mês de Atlético se emocionou com homenagem
feita à mãe, Dona Miguelina, que lutava
contra um câncer. O carinho o fez crescer e o impulsionou
a grandes jogos. Nos 6 a 0 sobre o Figueirense, marcou
três gols e deu duas assistências. No primeiro
marcado, chorou pela morte do padrasto. Foi eleito para
a seleção do campeonato e figura central
do Galo que voltou à Libertadores, competição
que não disputava desde 2000.
O ano de 2013 foi apoteótico e começou
muito bem, com seu primeiro título pelo clube,
o Campeonato Mineiro. No primeiro jogo da decisão
local contra o Cruzeiro, participou diretamente de dois
gols dos 3 a 0. No derradeiro, anotou o do Galo na derrota
por 2 a 1, insuficiente de tirar dos alvinegros seu 42º
título estadual.
A maior emoção ficou guardada
para julho. Conquistou a inédita Libertadores para
o Galo, competição na qual teve grande participação
na primeira fase. Destaque para os dois gols na vitória
por 5 a 2 sobre o Arsenal-ARG. No fim do ano, o time repetiu
o Internacional e caiu na semifinal do Mundial. Apesar
do vexame, a idolatria seguiu intocável.
O último ano de R10 na Cidade do
Galo foi o mais apagado. Maior retrato da diminuição
do entusiasmo de Ronaldinho com o clube se deu na final
da Recopa. Ao ser substituído no segundo tempo,
nem ficou no banco para assistir à prorrogação,
que terminou em 4 a 3 para o Atlético sobre o Lanús.
Foi o último ato do craque em Minas. Horas depois,
via Twitter, postou: "Essa parceria deu muito certo!
Galo vai estar sempre no meu coração."
Quatro dias depois, assinou a rescisão e ratificou
a condição de ídolo. Um dos maiores
do Clube Atlético Mineiro.
Irmão não queria
R10 no fla e nega queda no Galo
Em entrevista concedida ao GloboEsporte.com
em setembro, Assis, irmão e empresário do
craque, negou-se a considerar a passagem de Ronaldinho
pela Gávea como fracassada. Admitiu, porém,
que projetava mais e revelou ter sido contrariado por
R10 no momento de optarem por Fla, Grêmio ou Palmeiras.
Preferia, à época, um retorno ao clube que
o revelou.
- Acho que para dar certo é um conjunto
de coisas, têm que dar certo todos os setores. Acho
que o primeiro ano do Ronaldo foi maravilhoso no time
do Flamengo. Brigou por título, classificou para
a Libertadores, ganhou o Carioca invicto, ficaram muito
tempo sem perder. Não classifico assim, não.
Eu também acho que tinha potencial para mais. Acho
que teve o episódio da Traffic... As pessoas não
entendem. O Ronaldo foi talvez o melhor negócio
da vida do Flamengo. Levamos um atleta que foi praticamente
de graça para o clube, a Traffic sustentava tudo
aquilo. Vocês tinham que perguntar por que não
acertaram com a Traffic. Por que não deram respaldo?
Por que não cumpriram o que estava preestabelecido?
Você acha normal um atleta ficar todo o tempo que
ficou sem receber? Você consegue trabalhar sem receber?
É feliz sem receber? O Flamengo tinha tudo para
ser fantástico. A partir do momento que não
se cumpria com o atleta, houve o fato de perder aquele
encanto, aquilo tudo que se imaginava. O Ronaldo tinha
na cabeça dele que com o Flamengo poderia fazer
coisas incríveis. Estava animado. Foi contra o
meu desejo, era um desejo dele. Eu não queria,
tinha outra opção, e tenho certeza de que
teria sido melhor, mas ele quis provar disso. Ele é
livre, ele que vai para dentro de campo. Dou minha opinião,
mas respeito a dele - afirmou.
Já sobre o Galo, embora o ano de
2014 do irmão tenha sido inegavelmente discreto,
recusou-se também a concordar que houve uma queda
de produção.
- Não teve queda alguma. Foram dois
anos e meio. No primeiro ano, eles ficaram em segundo
lugar no Brasileiro, foram para uma Libertadores, ganharam.
No ano da saída... Futebol é um esporte
coletivo. É grupo. O momento era outro, atletas
tinham saído, outros estavam lesionados. Ganharam
a Recopa. Toda a passagem do Ronaldo é muito exitosa.
Não tem nada de queda. É ser campeão,
ficam as conquistas. Ele saiu de lá ganhando a
Recopa. Ah, porque teve isso, aquilo... Ninguém
precisa estar de acordo com a opinião do treinador,
tem que ter divergência mesmo, quando não
está OK, fala, quando está com desconforto,
fala. Isso é a vida.