O chavão boleiro diz que vida de
goleiro não é fácil. Pois vida de
goleiro criado nas divisões de base de um clube
brasileiro é ainda pior. Pergunte a Paulo Victor.
Desenvolto e soberano no gol do Flamengo para a semifinal
da Copa do Brasil nesta quarta-feira, contra o Atlético-MG,
o camisa 48 passou por provações até
receber de Vanderlei Luxemburgo a chance que perseguia
desde 2006, ano em que foi içado ao time profissional.
Enquanto fala sobre a fase de destaque,
as mãos não sossegam. Ele gira sem parar
a aliança do casamento com a dentista Priscilla
Loureiro, realizado na semana passada. Na decoração
da sala, o porta-retrato com uma entrevista após
um jogo contra o Figueirense, em 2011. Mais um capítulo
do círculo perigoso que viveu: entrar no time,
colecionar boas atuações e voltar ao banco
por troca de treinador ou uma falha esporádica.
Um convite à desmotivação.
Até o momento, Paulo Victor, aos
27 anos, tem 86 jogos no “time de cima”. Pouco
para quem acumula oito anos de casa. Por exemplo: o antecessor
dele, Felipe chegou ao clube em 2011 e disputou 188 partidas.
- Outro dia comentaram comigo: “Poxa,
as coisas aconteceram rápido contigo, né?
Em quatro meses você saiu do banco e agora está
numa semifinal de Copa do Brasil”. Fácil,
meu filho? São oito anos no profissional. Oito
anos! – disse, sorridente.
Na Série A, só quatro dos
20 goleiros titulares são crias das divisões
de base: Rogério Ceni, Marcelo Grohe, PV e mais
recentemente Alisson, no Inter. O gargalo é estreito
e exige paciência, mas nem todos a tiveram. Também
crias da Gávea, Marcelo Lomba e Wilson, por exemplo,
preferiam seguir por caminhos periféricos e atualmente
estão no Bahia e Vitória, respectivamente.
Paulo poderia traçar rota similar. Ele recebeu
propostas de equipes da Primeira Divisão no início
deste ano, mas manteve a meta: consolidar-se no Flamengo.
Enquanto aguardava, foram sete títulos,
convivência com cerca de 20 treinadores, uma promessa
do fã Ronaldinho Gaúcho e mudanças
importantes. A principal: ele soube se desvencilhar da
fama de amigo de treinos e noitadas do goleiro Bruno para
construir a própria biografia. Confira a entrevista
completa e assista à matéria do Globo Esporte
no vídeo acima.
GloboEsporte.com: Paulo, como você
definiria esse momento profissional?
Paulo Victor: Bom, né? Eu trabalhei
muito para alcançar, sei tudo o que passei. Coisas
boas, coisas ruins. Serviu para amadurecer e para chegar
a esse momento preparado. Foi ao mesmo tempo prazeroso
e difícil.
Quais foram essas "coisas ruins"?
A palavra não seria ruim, seria amadurecimento.
Tem que passar por ele. Sair de quarto goleiro, terceiro,
segundo... Muitos saíram da base direto para o
time titular e depois voltaram a ser terceiro. A diferença
é muito grande.
De onde vem tanta paciência
para esperar surgir uma oportunidade?
Na vida tem que saber esperar o momento
certo. As pessoas se perdem um pouco por precipitarem
as coisas. Eu sabia que uma hora iria acontecer no Flamengo.
Sempre respeitei quem estava na minha frente porque uma
hora iria acontecer. Trabalhei e fiz a minha parte porque
senão há muito tempo já teria saído
do Flamengo. E por opção do clube...
Em momento algum, quando você
saía do treino e entrava no carro indo para casa
pensava: “Meu deus, essa oportunidade não
surge...”. O desânimo não o consumiu?
Deus que te segura em algumas situações.
É difícil estar desde 2006 no profissional
e se firmar somente em 2014. São quase nove anos,
uma estrada muito longa. Mas a vida é assim. Todas
as pessoas, para conquistarem objetivos precisam batalhar
muito. Temos que saber respeitar o tempo e trabalhar.
Não adianta brigar pela posição e
não estar preparado quando a oportunidade chegar.
E não pensou em deixar o
Flamengo?
Vocês viram que muitas vezes fui procurado
(por outros clubes). Eu entrava, fazia bons jogos e saía.
Entrava, fazia bons jogos e saía. Isso despertou
o interesse, é normal. Mas se eu quisesse sair,
teria saído há muito tempo. Meu pensamento
sempre foi jogar aqui. Eu busquei esse momento, era o
que eu queria. Às vezes você coloca uma meta
na vida e enquanto ela não acontece, não
fica satisfeito. E eu coloquei essa – de ser titular
do Flamengo – e não sosseguei.
Mas goleiro reserva viaja sempre,
afasta-se da família, mas não joga. Como
é lidar com essa situação?
Fiquei dois anos seguidos indo a todos os
jogos do Flamengo. Amistosos, oficiais... Todos. Claro
que queria jogar, mas tem que pegar como motivação
e dar mais valor ao que passou quando chegar a hora.
E nesse período de nove temporadas
anos no time profissional você conviveu com muitos
outros goleiros. Quais foram?
Diego, Getúlio, Lomba, Wilson, Bruno,
Felipe... Sempre procurei pegar o melhor de cada um. A
passada de um, o pênalti de outro, as defesas embaixo
do gol de um terceiro. Sempre procurei analisar bem isso.
Observo outros goleiros para evoluir.
Consegue listar o que pegou de cada
um...
Não vou enumerar porque não
vou lembrar. Analiso o bom de cada um.
E qual goleiro mais gosta?
O que mais gosto parou de jogar: o Marcos.
Vejo as defesas, a postura em campo e é um ídolo
mesmo. Mas o Rogério Ceni hoje, pela história
e por tudo o que fez pelo futebol, tenho que lembrar.
A posição de goleiro e o futebol devem muito
a ele.
Você também conviveu
com muitos treinadores. Sentiu mais confiança em
algum?
Tive sempre bons relacionamentos com esses
20 treinadores que passaram pelo Flamengo nesses anos.
Até com um que chegou, eu era titular e me tirou.
Agora, claro, tenho duas pessoas fundamentais: Joel Santana
e Vanderlei Luxemburgo, que em 2010 me deu uma baita oportunidade.
Quando ele saiu, o Joel me colocou como titular. Também
o Waldemar Lemos, que me promoveu para o time principal.
Falaram que foi o Ney Franco, mas na verdade foi o Waldemar,
em 2006. Ele conversava muito comigo e falava do meu potencial.
Ele gostava de treinar e eu também. Ficava até
anoitecer na Gávea treinando e conversávamos
muito.
Paulo, sempre se falou muito que
o grupo do Flamengo queria há uns dois anos que
você fosse o titular e os técnicos mantiveram
o Felipe. Havia mesmo essa preferência?
Não digo preferência. O Felipe
é um grande goleiro, mas cada um está buscando
seu espaço. Confiança você não
compra, conquista. Se as pessoas falavam que eu deveria
ser titular fico feliz porque sei o quanto lutei. Se havia
preferência por mim ou não é natural.
Mas para alguém gostar de você tem que fazer
por onde. Nem todos treinadores me colocaram como titular.
Mas um me promoveu de quarto para terceiro (goleiro),
de terceiro para segundo... E só de ter feito isso
já fiquei grato.
Tem uma história de que o
Ronaldinho Gaúcho dizia no vestiário que
você deveria ser o titular. É verdade?
Nunca ouvi, mas sei que ele tem um carinho
enorme por mim. Sempre brincava e falava que ainda me
levaria para jogar novamente com ele. Eu retrucava: tudo
bem, mas só se for para um grande clube europeu.
Ele me respeitava porque trabalharmos sempre juntos. Sempre
me oferecia para treinar pênalti e falta depois
dos treinos. Isso cria confiança. Eu aproveitava
nos pênaltis e nas faltas para aparecer.
Como é sua relação
com o Felipe?
Respeitosa, de trabalho. Claro que problemas
às vezes existem. É natural da vida, a gente
treina toda hora. Mas sempre foi de respeito, muito mais
do que as pessoas comentam.
Vocês são amigos?
Amigo para mim é com quem estou toda
hora. O amigo nas folgas está com a minha família.
Esses são os que levo para sempre. Mas há
os companheiros de trabalho e precisa haver o respeito
porque convivemos mais com eles do que com a própria
família. Não sou inimigo de ninguém.
É questão de afinidade.
E como era sua relação
com o Bruno?
Dentro de campo, o Bruno sempre foi um cara
que me ajudou. Ele falava: “Paulo, está precisando
de luva, de chuteira?”. Quem acompanhou o Flamengo
sabe disso. Fora de campo ele teve os problemas dele,
e não cabe a mim falar, porque não respondo
por ele. Dentro de campo, na vida e no Flamengo, ele me
ajudou muito.
Você sentiu muito a prisão
dele? Pode-se dizer que levou um duro golpe?
Fico triste, mas cada um responde pelo que
faz. Não vou julgar ninguém, mas como profissional
tudo o que passei no futebol me ajudou muito.
No início da carreira você
era vinculado a noitadas e ao Bruno. Atualmente, está
casado e sumiu desse tipo de noticiário. Como foi
esse amadurecimento?
Como qualquer outro jovem... Era solteiro,
novo, saí de uma cidade do interior de São
Paulo (Assis, a 430km da capital). É natural sair.
Não sou eu, são todos. Uns preferem uma
noitada, outros preferem outros lugares. Mas cada um trilha
o que quer da vida. Eu assumo meus atos, respondo por
eles. Sou um cara limpo, nunca tive problema com nada.
Se fosse mau caráter, vagabundo, o primeiro a me
tirar seria o Flamengo. Cada um paga pelo que faz.
Até onde pode chegar o Paulo
Victor?
Falo sempre: goleiro tem que estar em evolução
sempre. Se eu chegar aos 34 anos e achar que não
vou evoluir, que as dores incomodam, eu vou parar. O futebol
pede isso. Quero evoluir a cada jogo até encerrar
a carreira.
Muitos dos goleiros com quem você
conviveu, formados na base, preferiram outros clubes.
O Wilson foi para o Figueirense – e hoje está
no Vitória – o Lomba seguiu para o Bahia,
Getúlio, Diego... Por que não optou por
esse caminho?
Porque, como eu disse, tinha traçado
uma meta de jogar no Flamengo. Não adianta colocar
as metas e não buscá-las. Não queria
pular nada. Queria que acontecesse aqui para depois pensar
em outras coisas, como seleção.
Mas essa meta tinha um prazo estipulado?
Se eu desse um prazo para ser titular teria
estourado um pouco, né? (risos) Em dezembro completo
dez anos de Flamengo e nove no profissional. É
muito tempo.
E o planejamento é prosseguir
e ter uma trajetória longa no Flamengo?
Com certeza. Não queria chegar ao
objetivo e dizer simplesmente que consegui. Quanto mais
tempo ficar, melhor. Tenho um ano e pouco de contrato,
mas se pedirem para renovar por mais cinco anos, renovo
cinco.