Fora da final do Campeonato Carioca sub-20,
eliminada das Copas São Paulo de 2012 e 2013 na
primeira fase e para o Figueirense nas oitavas de final
da Taça BH em 2014. Para piorar, o Rubro-Negro
foi massacrado pelo Fluminense nos juniores (7 a 0) e
juvenis (5 a 0) e pelo Atlético-MG (6 a 1) na Copa
do Brasil Sub-17. Os resultados, que em tese não
são prioridade na base, se juntam ao fato de que
o último jogador que o Flamengo revelou e foi convocado
para a Seleção principal foi Renato Augusto,
que se firmou no time em 2006. Lá se vão
oito anos, muito tempo para quem costuma se orgulhar do
lema "Craque, o Flamengo faz em casa".
De lá para cá, outros três
jogadores vindos da base se firmaram no time: Paulo Victor,
goleiro que hoje é titular, Luiz Antonio, que joga
com frequência desde 2011, e Samir, que chegou do
Audax Rio no juvenil. Outros, como Nixon, Negueba e Recife,
entram e saem da equipe titular. O aproveitamento da base
é pequeno, se comparado ao de gerações
anteriores. De acordo com diversos profissionais que passaram
por lá recentemente, não há uma causa
específica para essa queda, e sim um conjunto de
fatores. O mais citado deles é a transição
dos juniores para os profissionais.
- Acho que o jogador amadurece até
os 24, 25 anos, e não nos juniores, mas a pressão
no Flamengo é muito grande. Em função
disso, os garotos não conseguem jogar. Creio que
o processo de formação no Flamengo é
muito imediatista, e os jogadores normalmente não
estão prontos para isso. Alguns conseguem queimar
etapas, mas é uma minoria – analisa Anthoni
Santoro, que trabalhou por mais de dez anos na base rubro-negra.
A passagem dos juniores para os profissionais
foi acelerada pela Lei Pelé, que permite ao jogador
sair do clube no fim do contrato sem que haja compensação
financeira para a instituição. Normalmente,
o primeiro contrato profissional é feito aos 16
anos, e o segundo, aos 19. Sem a garantia da renovação,
o clube se vê quase obrigado a promover o jogador
muitas vezes com a formação técnica
incompleta e vulnerável ao assédio de empresários
e outros clubes mais estruturados e poderosos financeiramente.
A outra opção é vender
o jogador antes que ele saia de graça, como o próprio
Flamengo fez com Caio Rangel. Jogador da Seleção
sub-17 em 2013, ele foi para o Cagliari-ITA em junho deste
ano sem sequer estrear pelos profissionais. A pedida salarial
do meia-atacante foi superior ao que ganham alguns jogadores
do time principal. Fato que ocorre com vários clubes
brasileiros que cedem jogadores às seleções
de base, e de acordo com diversos técnicos, direciona
o foco do atleta ao dinheiro, ao invés do desenvolvimento
dentro de campo.
- Eu vi uma entrevista do Muricy em que
ele fala que os jogadores já se acham craques muito
cedo e penso igual. Acho que a geração campeã
da Copa São Paulo perdeu o foco depois daquele
título. Os jogadores hoje chegam muito cedo aos
profissionais. Quando estive lá, 21 atletas subiram,
e não à toa quem teve uma sequência
maior até agora foi o Luiz Antonio, que ficou nos
juniores até os 19 anos e teve uma formação
mais completa. Essa transição precisa ser
feita com calma – diz Paulo Henrique, treinador
campeão da Copa São Paulo de Juniores em
2011.
Os profissionais que trabalharam com a base
rubro-negra também se queixam da constante troca
de comando entre os técnicos dos profissionais,
que são efetivamente quem escolhem os jogadores
que vão subir dos juniores. E como a filosofia
muda a cada técnico que passa, mudam também
os atletas indicados e não há continuidade
no trabalho. Nos últimos três anos, o Rubro-Negro
teve sete treinadores: Vanderlei Luxemburgo, Joel Santana,
Dorival Junior, Jorginho, Jayme de Almeida, Mano Menezes
e Ney Franco.
A troca de presidentes e consequente mudança
de pessoas nos cargos da base também atrapalham
projetos em longo prazo. Em 2010, Carlos Brasil comandava
a base rubro-negra ao lado de Carlos Noval. Em 2013, Marcos
Biasotto foi contratado, e em 2014, foi para o CIM (Centro
de Inteligência e Mercado) do clube, com Noval na
direção da base. Esta situação,
no entanto, não é privilégio rubro-negro.
Problemas do passado que se refletem
no presente
Se há problemas que são comuns
a todos os clubes do Brasil, há outros que são
mais peculiares ao contexto do Flamengo. As dificuldades
financeiras impedem o clube de concorrer com equipes grandes
de outros estados, e mesmo no Rio de Janeiro. O orçamento
de R$ 6 milhões anuais é muito inferior
ao de clubes como São Paulo (R$ 32 milhões),
Internacional (R$ 24 milhões), Palmeiras (R$16
milhões). E junto com a questão estrutural,
reduz a competitividade rubro-negra na hora de negociar
a vinda de jogadores para a base.
- É claro que sabemos das dificuldades,
mas não podemos usar a falta de dinheiro como desculpa.
Aos poucos, estamos melhorando a situação,
e acredito que os resultados vão aparecer - analisa
Gabriel Skinner, gerente de futebol do clube.
Além disso, diversos empresários
alegam que o Rubro-Negro oferece um percentual menor de
seus jogadores a eles durante as negociações
e por isso priorizam outras equipes na hora de buscar
contratos para seus clientes. O passado, em que o Rubro-Negro
perdeu quase de graça nomes como Djalminha, Marcelinho
Carioca e Paulo Nunes, ecoou por muito tempo nos muros
da Gávea e propostas por jogadores como Negueba,
Adryan e Welinton foram recusadas pelo clube.
Os problemas estruturais também contribuem.
Em um passado não muito distante, houve casos em
que jogadores foram indicados para a base do Flamengo
e não ficaram por falta de alojamento. E os atletas
são obrigados a sair quando completam 18 anos,
conforme prevê o Estatuto da Criança e do
Adolescente, ficando longe dos olhos do clube justamente
no início da transição para os profissionais.
Outras equipes enfrentam o mesmo problema, mas o driblam,
como por exemplo o Fluminense, que disponibiliza um hotel
para seus jogadores maiores de idade. A busca por jogadores
também era problemática e se reflete no
presente do time.
- Enquanto estive lá, entre 2005
e 2010, havia um problema sério na captação
de jogadores, e eu dou um exemplo: o César, goleiro,
eu indiquei para o clube e quase foi para o Botafogo.
Só foi para o Flamengo porque bateu o pé.
O Flamengo, até pela oferta de jogadores, corria
pouco atrás, se acomodou um pouco. Era modelo de
formação na década de 80, quando
eu joguei, mas as coisas mudaram – diz Rogério
Lourenço, outro ex-técnico dos juniores
do clube, e que passou também pela Seleção
sub-20.
Otimismo e perspectivas futuras
As mudanças na base rubro-negra começaram
em 2010, com as chegadas de Carlos Noval e Carlos Brasil
no clube. Desde então, há consenso dentro
do Rubro-Negro que houve uma melhora nas condições
estruturais do Ninho do Urubu, mas que dificuldades financeiras
do orçamento apertado faz com que as mudanças
não ocorram na velocidade desejada.
- A evolução foi muito grande.
Às vezes a gente acha pouca coisa, mas em 2010,
o Flamengo não tinha sequer um ônibus próprio.
Não tinha van para levar os garotos para a escola.
Não tínhamos também alojamentos,
hoje eles existem. Houve essa melhora estrutural –
afirma Noval.
Os alojamentos estão em obras para
que possam receber 64 garotos, e há também
a construção de um vestiário e uma
cozinha, para que o clube cumpra as exigências necessárias
para obter o Certificado de Clube Formador, documento
que permite firmar contratos de formação
com jogadores a partir dos 14 anos e se precaver contra
investidas de rivais aos principais talentos da base.
Em 2013, Marcos Biasotto assumiu a coordenação
da base rubro-negra e enxergou a situação
de maneira parecida. Contratou dois profissionais para
observar jogadores: Sérgio Guerreiro, ex-São
Paulo, e Rodrigo Lameira, no Rio Grande do Sul. O clube,
que não tinha sequer um banco de dados para monitorar
os próprios jogadores e garotos de outros clubes,
montou esse arquivo e já houve mudanças.
Nos últimos 18 meses, diversos jogadores
de outros estados foram contratados, o que dificilmente
acontecia. A grande maioria está no último
ano de juvenil, como o lateral-direito Rocha, ex-Red Bull-SP
e o meia Matheus Sávio, ex-Desportivo Brasil-SP,
ou no primeiro ano de juniores, como os meio-campistas
Daniel e Ronaldo, que vieram do Paulista-SP. Há
40 dias, houve uma reformulação geral do
departamento de base, com a demissão de 17 funcionários
e a dispensa de garotos nas categorias menores para que
possa haver uma maior qualificação dos elencos
nas categorias.
Além de observadores, o Flamengo
hoje possui um Centro de Inteligência e Mercado
comandado por Rafael Vieira, ex-analista de desempenho
do Grêmio e da seleção brasileira,
integrando os departamentos da base e do profissional.
A estimativa é de que atualmente sejam observados
cerca de 230 jogadores de outros clubes por semana. Há
também o monitoramento dos atletas do próprio
Flamengo, a partir do sub-15 até o time principal.
Dentro de campo, o resultado ainda não
se traduziu em revelações de jogadores para
os profissionais. O clube, no entanto, se estruturou para
montar uma metodologia única de trabalho, linear,
A diretoria reconhece a dificuldade com
os juniores em 2014, tanto em resultados quanto na promoção
de jogadores para o time principal. Mas confia no trabalho
em longo prazo.
- Nosso trabalho, em 2010, começou
de fato com jogadores nascidos em 1998, e temos ótimas
gerações mais novas, no infantil e no mirim.
Isso não quer dizer que não haja atletas
bons mais velhos, mas a perspectivas é que os resultados
apareçam com mais frequência em três
ou quatro anos – finaliza Carlos Noval.
A busca por talentos ganhou reforços,
mas as dificuldades financeiras seguem sendo um entrave.
E podem fazer com que o time perca alguns desses jogadores
antes mesmo deles estrearem nos profissionais, impedindo
que esse ciclo planejado seja completado da maneira idealizada
no início.