Eduardo da Silva é o nome da vez
no Flamengo. O atacante, que se naturalizou croata em
2002, superou expectativas e marcou cinco gols fundamentais
com a camisa rubro-negra depois de passar ao menos 15
anos fora. O desejo de atuar em seu país de nascimento
era antigo, mas foi graças aos problemas geopolíticos
da Europa que o jogador desembarcou em terras brasileiras.
Mesmo com dificuldades em alguns momentos
na língua portuguesa, o atacante aceitou falar
com o UOL Esporte. Na conversa, fez um balanço
sobre os dois meses de Flamengo, revelou ter sido vítima
de racismo no país pelo qual disputou a última
Copa do Mundo e contou como o conflito armado da Ucrânia
teve papel determinante na decisão de voltar ao
Brasil para reconstruir a carreira aos 31 anos.
Confira a íntegra da entrevista:
UOL Esporte: Você
sempre teve propostas para atuar no Brasil, mas relutou
algumas vezes em aceitá-las. Por que topou o desafio
apenas depois de tanto tempo na Europa?
Eduardo da Silva: Sempre tive curiosidade
em jogar no Brasil, recebi propostas, mas os clubes nunca
liberaram nas condições definidas. Achava
distante a possibilidade. Fiquei metade da vida na Europa.
Saí daqui praticamente pelado e voltei com roupa.
Hoje já moro em outro lugar, ando de carro. Mas
o principal motivo foi a guerra na Ucrânia. Morava
em um lugar que virou uma cidade fantasma. Recebi informações
de que a situação não iria melhorar.
Estava com o contrato na mão e decidi sair. Foi
a minha escolha. Quem pôde fugir, fugiu.
UOL Esporte: Muitos jogadores
brasileiros não quiseram voltar para lá.
Você realmente correu riscos ao lado da família
na Ucrânia?
Eduardo da Silva: Vi tumultos, saques
nos mercados, uma coisa horrorosa. Até vivi momentos
tranquilos, mas o problema foi a ocupação
da sede do governo. Os separatistas andavam pela cidade
e os protestos aconteciam nos fins de semana. Antes da
Copa do Mundo piorou ainda mais. Bombas eram lançadas
e aconteceram coisas mais delicadas. O país é
maravilhoso, moderno, mas ficou insustentável.
UOL Esporte: O racismo
tornou-se tema recorrente no futebol. O último
episódio de destaque envolveu o goleiro santista
Aranha. Você sofreu insultos raciais na Europa?
Eduardo da Silva: Vivi isso com mais
três colegas no meu começo lá na Croácia.
O clássico entre Dinamo Zagreb e Hajduk envolve
dois rivais. Quando jogavam os moreninhos, meio escurinhos,
a torcida não perdoava. Eles não tacavam
bananas, mas faziam sinais de racismo e imitavam macaco.
Não levava isso de forma séria. É
até chato lembrar. Sempre ignorei as manifestações.
As pessoas devem entender que não faz qualquer
sentido. Precisamos amar todas as cores.
UOL Esporte: Considera
surpreendente o seu início no Flamengo?
Eduardo da Silva: As coisas estão
acontecendo de forma muito rápida. Fiquei três
meses sem fazer praticamente nada depois que disputei
a Copa do Mundo pela Croácia. O Vanderlei Luxemburgo
arriscou comigo, me colocou em jogos difíceis e
com um pouco de sorte ocupei o espaço. Já
me sinto bem melhor. Ainda está cedo para falar
que deu certo. No futebol, ficamos em cima e embaixo muito
rápido. Convém sempre esperar.
UOL Esporte: Acha que a
manutenção do bom rendimento pode transformá-lo
em ídolo na Gávea?
Eduardo da Silva: Não trabalho
para ser ídolo. Para alcançar esse status
é obrigatório conquistar títulos.
É assim que se vira ídolo, com o coletivo.
Não é uma questão individual. Essa
é a mentalidade que aprendi na Europa. Sempre briguei
por títulos, mas o Brasileirão é
diferente. São muitos concorrentes e sem favoritos.
Voltei para ajudar, jogar na minha cidade e no maior clube
do Brasil. Era também o desejo antigo de provar
um pouco do futebol brasileiro. Recebi o convite e não
pensei duas vezes por tudo o que aconteceu. Cheguei ao
Flamengo em um momento difícil, mas viria mesmo
se a situação fosse pior. Abracei a proposta
de coração.
UOL Esporte: Você
aparenta timidez nas entrevistas e ainda tem dificuldades
com o português. Estranhou algum aspecto do futebol
brasileiro?
Eduardo da Silva: Os jornalistas europeus
me perguntavam sobre o futebol brasileiro e sempre citava
a situação dos repórteres entrarem
em campo. Lá fora tudo é diferente. Passamos
por uma zona mista e nada mais. Agora é tudo ao
contrário. Estranhei no começo, tomei até
susto e quase neguei entrevista no campo do Maracanã.
Me assustei bastante, mas lembrei que funcionava de forma
diferente aqui no Brasil.
UOL Esporte: Qual o desejo
para a sequência da carreira? A aposentadoria já
faz parte dos planos?
Eduardo da Silva: Tenho 31 anos. Vai
depender do meu corpo. Se pudesse, jogaria até
depois dos 40 anos. Atualmente, a minha prioridade é
ficar aqui no Rio de Janeiro o maior tempo possível.
Vivo um dos melhores momentos e estou realizando um sonho.
Quero ficar no Flamengo até quando o meu corpo
aguentar. Não tenho previsão para parar.
UOL Esporte: Você
consegue aproveitar o Rio de Janeiro nos momentos de folga?
Já se atualizou depois de tantos anos na Europa?
Eduardo da Silva: Ainda não tive
tempo para reparar em muita coisa. A minha rotina está
ligada aos treinos e viagens. Percebi algumas mudanças
no trânsito e nos programas de violência na
televisão. Você fica preocupado com tanta
barbaridade. Penso até que uma coisa dessas não
poderia existir. Isso me incomoda bastante.
UOL Esporte: Você
ficou marcado pela grave lesão em 2008 quando defendia
o Arsenal [fratura exposta na fíbula e no tornozelo].
A contusão ainda assusta? Temeu não jogar
mais futebol?
Eduardo da Silva: Senti bastante receio
nos primeiros dois anos depois do ocorrido. Falaram até
que poderia amputar a perna e muitas histórias
surgiram. Disseram também que não voltaria
se tivesse me machucado na África, pois o atendimento
seria demorado, outros médicos... Ouvi de tudo
e muitas coisas absurdas. Corri risco de não jogar
realmente nos primeiros dez dias depois da cirurgia. Poderia
ter uma infecção ou rejeição.
Deu tudo certo e voltei apesar da gravidade.
UOL Esporte: Como um atleta
que participou da Copa do Mundo enxergou a goleada por
7 a 1 aplicada pela Alemanha no Brasil? E qual a repercussão
enquanto esteve na Europa?
Eduardo da Silva: Acho que não
foi um vexame como muita gente falou. A Copa aconteceu
no Brasil, mas reparei muita emoção, choro
e tensão desde o início. A coisa só
explodiu contra a Alemanha. Não considero uma tragédia.
Foi um acidente. Tem outras seleções de
países menores que sofrem um resultado desse de
dez em dez anos. Isso não vai acontecer novamente.
Não se ganha uma Copa do Mundo de quatro em quatro
anos. A Alemanha demorou mais de 20 anos para isso. O
Brasil sempre vai ser favorito.