Uma cama de solteiro, coberta com colcha
vermelha e preta, faz parte da mobília da sala
de Vanderlei Luxemburgo no Ninho do Urubu. Respirando
Flamengo há 53 dias, o treinador já deitou
e rolou sobre a paradisíaca sequência de
seis vitórias em sete jogos, acordou a torcida
para o perigo do rebaixamento e, neste domingo, contra
o Corinthians, a partir das 16h, no Maracanã, tentará
se livrar do pesadelo de duas derrotas consecutivas —
para Grêmio e Goiás. O sonho de Vanderlei
é tirar o time da confusão para, enfim,
botar a cabeça no travesseiro e encontrar a paz
que não teve no passado com o jogador Ronaldinho
Gaúcho e o presidente do Fluminense, Peter Siemsen.
O treinador admite que a diretoria não pagou os
prêmios por metas combinados previamente, mas garante
que o time não perdeu o foco.
Por que você inventou a expressão
"sair da confusão"? Não gosta
de usar a palavra rebaixamento?
Saiu naturalmente. Aquela zona ali embaixo
não é uma confusão? Da 14ª,
15ª posição pra baixo, é uma
confusão. Estávamos quase saindo dela, mas
ainda faltam 20 pontos.
Após duas derrotas consecutivas,
continua achando que o Flamengo não cai?
Não cai. Nosso elenco não
é virtuoso tecnicamente, mas coloca o cimento nas
costas, trabalha e, assim, se equipara a qualquer equipe.
Quando cheguei, o Flamengo tinha sete pontos e o ambiente
era muito ruim. Coloquei que nossa meta era não
cair. Não sei se pelo meu envolvimento com o clube,
o torcedor entendeu.
Ficou aborrecido com o aumento do
preço dos ingressos para o jogo contra o Corinthians?
A diretoria resolveu assim e tem que assumir
sua responsabilidade com a torcida. Agora, fui o cara
que pediu para a torcida abraçar o time porque
entendo que o Flamengo é mais forte desse jeito.
Nossa recuperação passa pela torcida, que
já aceita quando o João Paulo erra um passe
e quando o Alecsandro perde um gol. Você não
vê o Maracanã vaiando.
O aumento do preço afasta
a torcida?
O torcedor do Flamengo é fiel e não
vai trazer prejuízo ao nosso trabalho por causa
de uma discussão com a diretoria. O time não
tem nada a ver com essa discussão.
O time terá uma sequência
de jogos contra Corinthians, Palmeiras, Fluminense e São
Paulo...
Vamos precisar ainda mais do torcedor. A
tabela é horrível, péssima.
Sua boa campanha no retorno ao Flamengo
significa a retomada da carreira?
Não. Estou acostumado a fazer isso.
As pessoas me rotulam como querem. Em um mês de
Flamengo, já achavam até que eu devia voltar
para a seleção brasileira. É assim
que o Brasil funciona. Ninguém analisa a competência
ao longo do trabalho. Apenas o momento. É duro
ganhar um Brasileiro. Tirando o Atlético-MG e o
Fluminense, coloquei todos os outros clubes em que trabalhei
na Libertadores.
Arrepende-se de ter feito um contrato
curto com o Fluminense no ano passado?
O (presidente) Peter (Siemsen) não
é firme. Eu não deveria ter ido quando ele
disse que não gostaria de me contratar por eu ser
rubro-negro. Mas me envolvi com o Celso (Barros), um cara
legal. Cedi e fiz um contrato. Perdi para o Corinthians
e fui mandado embora. O Fluminense não cairia comigo
lá. Mas, como o Peter era candidato a presidente,
me mandou embora para dizer: "Fui eu, Peter, que
não deixei o Fluminense cair". Mas reconheço
que ele é bom para o Fluminense. Está preocupado
em recuperar o clube.
Acha que foi injustiçado
na passagem anterior pelo Flamengo?
Fiquei oito meses invicto, mas tomando porrada.
Meu trabalho era muito bom, mas houve a situação
do Ronaldo (Gaúcho)...
Ainda fala com ele?
Não converso com ele. Nem penso nele.
Ele segue sua vida, eu sigo a minha. Era necessário
tomar decisões.
O Flamengo deve premiação
aos jogadores. Isso pode atrapalhar o grupo?
Traçamos como objetivos seis módulos
de quatro jogos. A cada quatro jogos, temos que ganhar
no mínimo seis pontos para haver premiação.
Alcançamos dois objetivos, mas eles não
pagaram. Até agora, nenhum jogador reclamou comigo,
mas não é para atrasar. É para cumprir.
O Flamengo perdeu os dois últimos
jogos porque ficou muito visado?
Agora, todo mundo está respeitando.
O Grêmio marcou a partir da intermediária.
Temos que dar uma melhorada. Mas perder é do futebol.
Poderíamos ter sofrido uma derrota para o Botafogo.
E poderíamos ter vencido o Grêmio. Mas posso
te dizer que a perda do Paulinho foi muito ruim. E o Luiz
Antônio esteve machucado.
Por que o Flamengo não faz
gol há dois jogos?
É coisa normal do futebol. Não
me abala.
Está satisfeito com a troca
do Felipe pelo Paulo Victor no gol?
Paulo Victor tem provado em todos os jogos
que é um dos nossos pontos fortes. O Felipe tem
que buscar seu espaço.
É verdade que você
não gosta do Felipe porque ele teria se aliado
ao Ronaldinho contra você?
Não me permito isso. É muito
pouco pra mim. Em 91, também no Flamengo, afastei
aquele zagueiro Fernando... Em 92, no Guarani, falei para
ele esquecer o que tinha acontecido, e ele foi meu capitão.
O momento é o que vale.
Você ainda sonha com a seleção?
Achei legal que, quando o Felipão
saiu, meu nome foi falado junto a outros. Foi bacana o
reconhecimento. Se um dia o Dunga sair e eu for convidado,
sou preparado. Mas acho que a situação está
bem resolvida com o Dunga.
Você não tinha criticado
a escolha?
Não. Eu apenas questionei por que
colocar o Dunga em vez de continuar com o Gallo até
o fim do ano. Não deveriam ter colocado ninguém
num primeiro momento. Agora, discute-se o Dunga. Não
se discute o que está errado no nosso futebol.
Que discussão houve? Perdemos uma oportunidade
de discutir.
Você fala em ser gestor um
dia. Seu contrato, que termina no fim de 2015, será
o último?
Acho que ainda não.
Você sempre foi criticado
por acumular a função de treinador com a
de gestor...
Isso é uma grande bobagem. Qualquer
empresa funciona assim. Agora, estou só como técnico
e não me envolvo em mais nada. Vim dar minha colaboração
porque vi que o momento era muito difícil.
No recente episódio de racismo,
você defendeu a torcedora que ofendeu o Aranha.
Não teme passar por racista?
Minha filha foi casada com um negro. O pai
do meu neto é negro. Tenho um pé na senzala,
sou quase crioulo. Minha avó era crioula, pô.
Mas estão tratando esse caso como se o futebol
tivesse que resolver a homofobia e o racismo. Se todo
crioulo fosse reclamar da torcida, não teríamos
futebol. A torcedora está sendo mais arrebentada
do que o Aranha, que está trabalhando, ganhando
dinheiro e vai continuar sendo chamado de macaco. Me chamavam
de viado no Grêmio, quando eu entrava no estádio:
"Luxemburgo, viado!". Eu ia reclamar? Ia mandar
parar o jogo? Nunca achei que isso fosse homofobia. A
torcida faz isso para mexer com o emocional. O futebol
só tem crioulo, pô. Oitenta por cento da
população no futebol é negra. Estou
falando bobagem? Não existe racismo no futebol.
Racismo é quando há exclusão. O racismo
velado é que é pesado. Vi programa de televisão,
sem nenhum negro contratado, reclamando de racismo no
futebol.
O que tem achado da nossa arbitragem?
O árbitro hoje está fora do
contexto do futebol. Não podem dar entrevista nem
conversar com o jogador. O diálogo do árbitro
hoje é com cartão. Eles são extraterrestres?
O técnico não pode abrir o braço
para reclamar, poque eles dizem que estamos jogando a
torcida contra eles. É o fim.